Com a divulgação dos dados provisórios sobre crescimento real do PIB nos EUA no segundo trimestre de 2024, veio estatística instigante: apesar dos recentes sinais de moderação, esta é das mais rápidas expansões econômicas desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Deveras, a taxa anualizada de 4,5% é maior que a do ciclo “Já é manhã de novo na América”, que pavimentou a tranquila reeleição do Presidente Reagan em 1984, bem como a vitória de seu sucessor ungido, George H. Bush, em 1988 (Gráfico I). Ademais, rompeu o padrão deste século de fracas recuperações após grandes choques adversos (média de 2,5%).
“Mais orgulhosos, mais fortes e melhores” foram as palavras de ordem nas eleições presidenciais nos anos 1980, que levaram a uma década de hegemonia republicana. Isso posto, uma economia ainda mais forte deveria ter implicações róseas para os Democratas no poder em novembro. Nada mais longe da verdade, porém. O Presidente Biden, em face do rápido declínio de suas capacidades cognitivas e, o que é mais funesto, da rebelião aberta de financiadores, altos quadros de seu partido, bem como da substancial maioria dos eleitores registados, saiu da corrida. Nessas desafiadoras circunstâncias a Vice-Presidente Kamala Harris enfrentará um talvez excessivamente confiante Trump. Nesta fase, ainda que esteja crescendo nas pesquisas e já tenha provavelmente mais votos que seu oponente, ela ainda luta para virar o jogo nos estados indecisos, que é vital para vencer no colégio eleitoral.
Então, nada de “É a economia, estúpido!”; o mantra cunhado pelo consultor político James Carville em 1992, quando assessorou Bill Clinton em sua bem-sucedida candidatura à Casa Branca. Porque havia recessão econômica, ele demoliu a taxa de aprovação de 90% do Presidente Bush em 1991, durante a Primeira Guerra do Golfo, e transformou-a em desaprovação de 64% um ano depois. No atual ciclo eleitoral, o PIB per capita, ou seja, já ajustado à inflação, cresce 3,5 vezes mais rápido do que na era Trump, enquanto o desemprego é 16% menor. Desta vez, porém, o fator decisivo é não econômico.
Nesse contexto, a Ipsos Research realiza sondagem regular intitulada “O sistema está falido”, que busca quantificar populismo, antielitismo e bairrismo ao redor do mundo.1 Uma das perguntas mais argutas no questionário é se o respondente concorda com a declaração: “É necessário um líder forte para resgatar o país dos ricos e poderosos”. Em média, 63% das pessoas responderam “sim” (Gráfico II), mais que os 59% do ano anterior. Nos Estados Unidos a taxa é de 66%, mas o apoio dos eleitores republicanos a essa proposta é 22 pontos percentuais maior que a dos democratas. Sem dúvida, são números perturbadoramente altos e correlacionam-se significativamente com os relacionados a questões como “A principal divisão na nossa sociedade é entre os cidadãos comuns e a elite política e econômica” (67% responderam positivamente, na média) ou “O governo deveria aumentar seus gastos com segurança pública” (69% de respostas afirmativas).
Desigualdade social, criminalidade e ameaças à identidade nacional são questões controversas. No entanto, muitos delas parecem estar no cerne de eleições polarizadas como as recentes no Brasil, Argentina, Índia, África do Sul e França. Não surpreende que tais países tenham pontuação elevada no índice “O sistema está falido”. Esse complexo contexto sociopolítico tem, ademais, moldado uma agenda antiglobalização desde pelo menos a Crise Financeira Global (CFG). E suas consequências são visíveis. A soma deflacionada dos fluxos comerciais mundiais (exportações e importações) atingiu seu pico em 2008. Após o choque adverso, houve um princípio de recuperação na década de 2010, que abortou e deu lugar a uma tendência descendente algo instável (Gráfico III). No ano passado, o volume real de comércio ficou 20% abaixo do seu ápice. O baque no investimento direto estrangeiro (IDE) foi mais severo e cálculos similares sobre os dados mais recentes revelam queda atroz: 61%. A alteração mais radical ocorreu na Europa, onde a entrada bruta de USD 1,9 trilhões em 2007 virou saída de US$ 0,1 trilhão em 2022 (valores deflacionados). A invasão da Ucrânia pela Rússia teve, por óbvio, papel crítico nessa mudança dramática.
Socioeconomia polarizada, combinada com geopolítica sombria e os efeitos colaterais de longo prazo de choques globais adversos minaram a atividade econômica global. Nos tempos áureos da globalização, de 2000 a 2008, o PIB real per capita crescia em todo o mundo à taxa média anual de 2,1%. No ano passado, após recuperar-se da crise pandêmica, cresceu 1,4% face a 2022. Mas a desaceleração não é uniforme, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional no seu último “Perspectiva Econômica Mundial” (Gráfico IV). Comparando com o desempenho esperado para 2025-29, que depende significativamente do que já se passa em 2024, a queda mais drástica deverá acontecer na Europa em Desenvolvimento, em particular nos países de Leste, cuja taxa de crescimento anual poderá ser 60% menor, bem como na Ásia Emergente. Por outro lado, a menor diminuição ocorreria em Economias Avançadas e na América Latina.
O fato de a expansão econômica nos EUA não ter dinamizado a atividade no mundo é sintoma revelador de quão menos eficaz se tornou a globalização. Mas as coisas nunca são tão ruins que não possam piorar. No contexto de uma onda crescente de sentimento antissistema, o regresso de Trump à Casa Branca faria todo o sentido. Contudo, as prováveis ações de governo para conter a imigração de certos grupos étnicos, promover o protecionismo, juntamente com uma extremamente provável escalada de tensões geopolíticas teriam consequências capitais. Para além de questões internas pertinentes, o que está em jogo nas eleições americanas de 2024 é um declínio adicional do comércio e do investimento globais, bem como de outros indicadores de eficiência macro e microeconômica mundiais. Conjecturando sobre um pior cenário, países com grandes mercados internos que podem compensar condições internacionais mais difíceis – EUA, China, Brasil, Índia e Rússia – tenderiam a ter melhor desempenho. No entanto, em uma disputa na qual o presidente no poder teve de desistir e uma saraivada de balas quase assassinou seu principal adversário, nada pode ainda ser dado como certo.
1 Ipsos Populism Survey https://www.ipsos.com/sites/default/files/ct/news/documents/2024-02/Ipsos-Populism-Survey-2024.pdf.
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