Um ciclo de corte de juros nos EUA e realinhamentos cambiais
11 de setembro de 2024
11 de setembro de 2024
Com a ressalva de que a sabedoria coletiva dos mais sofisticados investidores mundiais tem sido tosca em prever o rumo da política monetária nos EUA, o consenso dos especialistas antevê um ciclo de corte de juros começando já na próxima reunião do Federal Open Market Committee (FOMC) em 17-18 de setembro.1 Segundo cálculos da ferramenta Fed Watch da Bolsa Mercantil de Chicago no final de agosto, os mercados futuros precificaram probabilidade de 63% de redução de 0,25 ponto percentual na taxa básica. Porém há mais. Após o primeiro movimento, as autoridades a cortariam em meio ponto percentual na reunião do FOMC em 6-7 de novembro (probabilidade de 77%), e em mais 0,25 ponto percentual na de 17-18 de dezembro (idêntica verossimilhança).
Por certo, desde a pandemia os mercados subestimaram por demais a vontade de o Fed subir os juros e depois consistentemente superestimaram quão rapidamente começaria a cortá-los. Contudo, há agora razões muito prováveis para crer que enfim acertarão. Decisivamente, porque a economia dos EUA afinal conta uma história consistente de desinflação (Gráfico I). Pela primeira vez desde março de 2021, a taxa de inflação ao consumidor “cheia” ficou abaixo de 3% em 12 meses. O muito esmiuçado núcleo do índice de despesas de consumo pessoal (PCE) ainda não está no confortável nível de 2% a.a. - sua última leitura acusou alta de 2.5% - porém ele parece em breve estar chegando lá. Ao fim, a América é um caso de nação que decidiu ter déficit fiscal relativamente maior por mais tempo para impulsionar a atividade econômica através de maior absorção doméstica, o que gerou mercado de trabalho mais aquecido e ganhos salariais mais fortes (Gráfico II). Ocorre que um “pouso suave” requer mais tempo para domar o índice geral de preços. A Alemanha, por outro lado, optou por políticas convencionais de estabilização. Um crescimento real do PIB mais baixo juntamente com menor desequilíbrio orçamentário obtiveram resultados melhores e mais rápidos na contenção da alta do custo de vida.
A maior economia do mundo começar a cortar juros é sempre um momento crucial. Pela primeira vez neste século o Federal Reserve estaria abrandando sem o pano de fundo de mercados em pânico, que foi a sombria realidade no começo dos anos 2000 (estoura da bolha das “ponto com”), no fim de 2007 (crise financeira global), e durante a segunda metade de 2019 (COVID-19). Dentre as diversas consequências de uma postura menos restritiva de política monetária nos EUA, talvez uma das mais instigantes seja o efeito sobre o valor do dólar frente a outras moedas. A teoria clássica de paridade de juros e taxas de câmbio postula que a diminuição do diferencial de juros de curto prazo entre o país e o exterior correlaciona-se, tudo o mais constante, com depreciação da moeda nacional. De modo inverso, o aumento do diferencial, tudo o mais constante, correlaciona-se com apreciação. Os modelos teóricos e seus desdobramentos baseados nesses pressupostos são assaz elegantes, porém durante décadas houve um paradoxo empírico porque seu poder preditivo era bem pobre. As taxas de câmbio, após fugaz obediência às previsões, pareciam não seguir mais nenhum padrão discernível ou tendência (eram um “passeio aleatório” no jargão econométrico). Não mais, todavia.
O poder preditivo de modelos cambiais melhorou sensivelmente, segundo estudos recentes.2 O gradual compromisso das maiores economias mundiais com política monetária não-discricionária, notadamente metas de inflação, resultou em padrões mais estáveis nos anos 2000 do que nas três décadas anteriores. Assim, regressões econométricas usando diferenciais de juros, expectativas de inflação, medidas de estresse financeiro global e estimativas de desvio frente ao câmbio de equilíbrio real de longo prazo, dentre outras variáveis explicativas, agora fazem bom trabalho de previsão dos movimentos do dólar dos EUA. Este conheceu três grandes ciclos de apreciação desde o colapso do regime de câmbio administrado em 1971 (Gráfico III). Para entender por que está em território sobrevalorizado, basta dizer que a taxa dos Fed funds está na máxima de 23 anos, ao passo que ainda existe certo grau de aversão a risco nos mercados globais de capitais devido a perturbações geopolíticas.
Avaliando as quatro principais variáveis explicativas citadas acima nos modelos cambiais melhorados, três delas sinalizam desvalorização cambial na América como resposta a um ciclo de afrouxamento monetário. Se a aversão a risco global não mudar, o diferencial de juros de curto prazo frente ao exterior cairá, junto com (espera-se) queda das expectativas de inflação, o que prenuncia mais cortes de juros adiante e debilidade adicional do dólar dos EUA. Ademais, porque este desviou-se bastante de seu valor justo estimado, está pronto para uma correção na descendente. E o timing seria de todo oportuno. De fato, vendo, por exemplo, como as moedas dos países do G20 negociam, fica evidente que ao menos metade delas está longe dos seus equilíbrios de longo prazo em ambas as direções (Gráfico IV). Menores desequilíbrios cambiais implicam menos casos de taxas seriamente sobrevalorizadas, mas também de subvalorizadas.
Em alguns casos, situações específicas de cada país podem acelerar o processo de realinhamento. No Brasil, um grande déficit fiscal e o rápido aumento dos custos laborais estão empurrando a inflação para fora da meta de 3% a.a. Dessa forma, o banco central brasileiro deverá elevar a taxa básica de juros para desacelerar a economia, cujo ritmo de crescimento real anualizado no segundo trimestre de 2024 foi intenso: 5,7%. Na direção precisamente oposta à dos EUA, os mercados futuros na maior economia latino-americana anteveem um bem plausível ciclo de aperto monetário, de cerca de um ponto percentual, nos próximos 12 meses. Para o depreciado real, isso prenuncia revalorização. Todavia, como sabiamente advertiu Rudiger Dornbusch, economista famoso por suas contribuições para Economia Monetária Internacional, “As coisas demoram mais tempo para acontecer do que se imagina, e então ocorrem mais rápido do que se pensava que poderiam.”
1 Ver o revelador “gráfico de cabeleira” em “Investors may be getting the Federal Reserve wrong, again”. https://www.economist.com/finance-and-economics/2024/01/24/investors-may-be-getting-the-federal-reserve-wrong-again#. The Economist, datado 24-jan-24.
2 Engel, C., & Wu, S. P. (2024). “Exchange Rate Models are Better than You Think, and Why They Didn't Work in the Old Days”. National Bureau of Economic Research WP32808, August.
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